Os Dançarinos

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Farewell




não sou a promessa de uma vida a dois

ora! não acredito em futuro

o futuro foge do agora
e não se existe nesse estado
quando passar o presente
o tempo será passado

ah! e se fui feito de lama
você é só minha costela

não sou o feliz passarinho
nunca soube fazer ninho

mas aprendi a voar ligeiro

viu? você nem me viu
quando pousei na janela

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Tempo é Dinheiro

Soft Watch At Moment of First Explosion, c.1954 - Salvador Dali


Tempo é dinheiro! Já me provaram com argumentos sólidos e convincentes que a frase é verdadeira. No entanto eu ainda não consigo acreditar nisso. Talvez eu seja teimoso mesmo, como umas e outras ‘teimam’ em me dizer. Tempo, para mim, mede nossas perdas e nossos ganhos, não em balanços financeiros, mas em questões de afetos e conhecimentos. Projeta nossos lançamentos futuros, não os da conta bancária, mas em trocas de amores e aprendizados. Eu acho tão bonito e verdadeiro pensar no tempo assim. Mas pareço pensar sozinho.

Paradoxos. Essa solidão me entristece, mas me traz o melhor da vida. Essa solidão me afasta do mundo real, mas me preenche de realidade. Essa solidão me aprisiona, mas me permite ser livre. Essa solidão me mata, mas me faz viver intensamente cada segundo que passa. Paradoxos? Eu sou assim.

Na semana passada, lá pelo meio de uma quarta-feira de sol, de céu azul e de calor carioca, infernal, eu me senti esgotado. Precisava de um tempo. Cancelei um compromisso, peguei a chave do carro e simplesmente fui até a praia. Quase posso ouvir seu pensamento: “Ah! Se eu pudesse...”. Mas antes que você faça algum juízo de valor, saiba que eu trabalho muito. Não de 9 às 6 como a maioria das pessoas que vendem uma quantidade de tempo por um punhado de dinheiros. Trabalho 24h por dia. Sim! Para criar eu preciso trabalhar até quando estou dormindo. E tem gente que acha que é uma vida fácil. Experimente?!

Mesmo morando no Rio, não tenho o costume de ir à praia. Óbvio que eu gosto de estar nela, mas me estressa um pouco toda movimentação para chegar lá. De qualquer forma, vou algumas vezes. Talvez por essa falta de costume, me surpreendi com a quantidade de pessoas que encontrei. Em plena quarta à tarde, a praia estava lotada. Ou minha forma de vida não é tão solitária quanto pensei, ou os índices de desemprego são enganosos. Enfim. Aluguei uma barraca de sol e uma cadeira e sentei na beira do mar.

Rio paraíso tentador. Quarta-feira na praia não existe pudor. Eu parecia um adolescente olhando para os corpos seminus que passavam e se esparramavam sob o sol. Lembrei que na adolescência, quando a gente conhecia uma garota logo dava um jeito de encontrá-la na praia. Era o que chamávamos de ‘teste da praia’. Uma vez aprovada, a menina ganhava o direito de um novo encontro. Coisas do Rio. Ri por dentro daquele chauvinismo adolescente. Sei que era ridículo, mas tenho que assumir que era divertido. Que horror!!! Felizmente os conceitos também evoluem.

De repente uma moça me chamou atenção. Ela era muito gorda e vestia um microbiquíni (mesmo para o padrão de uma modelo) encravado nas entranhas. Escondido. Se eu estivesse acompanhado tenho certeza que ouviria um comentário do tipo ‘que mulher sem noção do ridículo’ e eu concordaria, mas naquele momento eu a achei linda. Achei lindo como ela se aceitava, como gritava para o mundo, silenciosamente, a sua maior virtude. Ser ela mesma. Plena dela mesma. Louca? Sem noção? Não! Linda!

Que dia lindo! Algumas nuvens escorriam pelo céu, como tintas numa pintura abstrata. Fiquei olhando para elas. Eu tenho um hábito curioso de tentar descrever em palavras a cena que estou vendo, é um tipo de exercício de escrita mental que faço às vezes. E sou bom nisso. Só que não consegui descrever aquele tipo de nuvens. Sei lá, para mim elas pareciam almas esvoaçantes. E como se descreve uma alma em palavras?

(Consultei o Grande Oráculo a respeito destas nuvens e aprendi que estas formações se chamam Cirrus, são nuvens muito altas, e existem vários tipos delas. Também aprendi que são um sinal de bom tempo... Uma imagem vale por mil palavras. Eis as tais nuvens.)


As digressões foram se sucedendo diante das nuvens, do céu e do mar. Tive uma avalanche de ideias. Textos, letras, poesias. Até que, em determinado momento, eu não pensei em nada. Foi um instante. Curto. Como uma revelação. Aconteceu. E percebi que era exatamente o que eu precisava, o que eu estava buscando ali. Não fazer nada. Pronto, eu podia ir para casa. Meu trabalho na praia estava terminado. Eu me sentia revigorado. No caminho até o carro ainda pensei que, se fosse parado numa blitz, não passaria no teste do bafômetro. Estava completamente embriagado. De nada. E de mim mesmo.

Já em casa, recebi um telefonema da pessoa com a qual eu tinha desmarcado o compromisso. Eu ia dizer que precisara de um tempo para mim e tinha dado um pulo na praia, mas achei que ela não entenderia. Coloquei então a coisa sob uma outra perspectiva. Falei que me sentira mal e fora visitar um médico. Diagnóstico: Apenas um mal estar causado pela queda de pressão, devido ao calor. Remarcamos o compromisso. Tudo certo. Como ela poderia entender que o médico era a praia e o remédio era não fazer nada? Como? Eu ia parecer um louco irresponsável. Se eu menti foi para não me sentir mais solitário. Que são assim as mentiras.

Porque escrevi esse texto? Se eu não ganhei nenhum dinheiro, o que eu ganhei com isso? Isso é trabalho? O que eu fiz hoje? Joguei o meu tempo fora? O que você ganhou lendo isso? Jogou seu tempo fora? O que eu estou dizendo? Que ir à praia para mim é um trabalho? Eu devo parecer muito louco mesmo. Mas não sou. Eu posso responder a todas essas perguntas. Mas não vou. Simplesmente o convido a apagar tudo que você acabou de ler. Esqueça. Porque eles é que estão certos: Tempo é dinheiro. E quanto mais você tem um menos você tem o outro. É como se fossem dois pratos de uma balança. O que vale mais? Isso varia de pessoa para pessoa. Cada um que ache o seu equilíbrio. Cada um que faça a sua escolha. Cada um que encontre seu caminho. Cada um que o trilhe. E cada um que lide com suas perdas e ganhos. Porque isso, isso se chama vida.


Seiscentos e Sessenta e Seis
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ªfeira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
seguia sempre, sempre em frente ...

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
Mario Quintana (In: Esconderijo do Tempo)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Carnaval

os confetes caíam como chuva brilhante
os clowns fugiam do fim da noite, aflitos
as moças suadas carregavam sorrisos moles
fixados na cara
como as tabuletas de preço nas barraquinhas da feira
o ar estava infestado de obrigatória alegria

menos aqueles olhos negros

não sei dizer o que eu senti
não foi um momento mágico
nem uma paixão repentina
e logo os perdi de vista

havia chegado a hora
o dia já vinha raiando
e eu tinha que ir embora

da porta vi foliões se afastando
mas não procurei olhos-negros

Lá fora encontrei o sol
começando a brilhar...

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Luz e Sombras


Deus criou a vida... A vida criou o homem... O homem criou a palavra... A palavra criou Deus...

Eu também poderia afirmar que a palavra nasceu como a vida. Que da mesma forma que os átomos se agruparam para formar moléculas de DNA, os sons se juntaram para formar as palavras...

Sofismas à parte. Não pretendo discutir aqui o fenômeno da criação. Não tenho dados de pesquisa nem conhecimento suficiente para isso. Só sei do que me interessa. Trabalho com a minha imaginação, o que convenho, suplanta qualquer realidade. Eu sempre opto pela visão poética. E aí fica mais fácil. A vida veio do mar. A palavra veio da música.

Imagino... Nossos ancestrais, ainda em suas cavernas, emitindo seus primeiros sons guturais numa tentativa de se comunicar. E quando essa ponte se completa, os rudimentos das palavras estabelecem uma comunicação efetiva, nascendo assim, a percepção do outro. Real. Imagino... O nosso ‘eu’ primitivo, maravilhado, abandonando sua caverna interior para se aventurar nessa extraordinária descoberta. O outro como um igual. A descoberta de um novo mundo. O seu próprio. Imagino... Puxada pelos cavalos do tempo, a carruagem da evolução seguindo sua marcha, e as palavras, que flutuavam suspensas no ar, caindo sobre as pedras. Literalmente. O surgimento da escrita. Esse evento é como um raio partindo o mundo em dois. Agora o mundo exterior pode ser interiorizado e, em contraponto, o sombrio mundo interior ganha a luz do dia. Como água e óleo, estes dois mundos se chocam, colidem, mas não se misturam. A guerra dos mundos. Em cada um de nós. Agora seres eternizados nas nossas próprias palavras.

Não sei para onde essas ideias querem me levar, mas as sigo, obediente. Meu pensamento é veloz e não consigo acompanhá-lo. Ando meio esquisito mesmo. As ideias já vão longe. Eu fico aqui. Perdido. Tenho lido muito e muitos. Agora penso em todos que escrevem. O que me assusta um tanto. Tantos. É. Porque para escrever de verdade é preciso mergulhar profundo. É preciso fôlego e coragem. É preciso um quê de pureza. O susto é porque fico na dúvida se vale a pena tanto esforço.

Tento me colocar do outro lado – sempre quero ver os dois lados – e gosto disso. Ver o todo me dá a perspectiva de percebê-lo à margem. De fora sempre se vê melhor, de longe se vê mais largo. E eu me vejo lá longe. Eu, um pequeno leitor. Aventureiro. Desbravador. Descobrindo os livros, com suas histórias incríveis. Tão minhas. Conhecendo escritores com seus pensamentos excitantes, intrinsecamente ligados aos meus. Que os pensamentos são compartilhados. De um pensamento de alguém surge um novo em você. Que compartilhar é inerente à criação. E em seguida me vejo um pequeno escritor. Criando. Destrono Deus. Ah! Descanse companheiro. Que este lugar agora é meu.

Mas em mim, criar, em vez de erguer uma obra, paradoxalmente a desmancha. Criar é a minha ruína. O espanto de toda luz que emanou do primeiro livro que abri ainda me assombra. As palavras são minha luz. As palavras me fazem Deus. E Deus vive nas sombras. Sou inundado por uma onda de compaixão ao pensar em todos que escrevem, autocondenados a viver nas trevas. Não sei se é uma esperança, a compaixão nos faz piedosos. Esperança, compaixão e piedade numa só frase? Estou completamente perdido. Acho que é hora de parar. Espero que você consiga enxergar alguma coisa porque eu não vejo mais nada. Está escuro por aqui.

Sim! Para criar a luz é preciso se apagar.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Não me Chame de Poeta

Desde sempre me soube um poeta, antes mesmo de saber que eu poderia escrever. Curiosamente nunca tive a pretensão de me dizer um poeta. Talvez porque seja livre e rebelde o suficiente para não me submeter à forma e ao estilo. Talvez porque a palavra ‘poeta’ carregue uma certa pompa com a qual não me identifico. Uma carga que eu não sustento. O meu relacionamento com a língua está no gosto, no prazer, no gosto pelo prazer. Em todos sentidos. Se me sei um poeta é porque minha alma é de poeta. E sobre isso não tive escolha. Fui reconhecido pela legião de almas que me circundam quando começo a escrever. E tenho o maior reconhecimento que um poeta pode almejar. Este vem das palavras selvagens, brutalmente domesticadas pelas minhas mãos trêmulas.